(Márcio Júnior e Júlio Shimamoto – 152 páginas – capa dura – MMarte Produções – 2018)
Vivemos em um mundo competitivo, no qual crianças são ensinadas desde cedo a vencer. Talvez seja por isso que pouca gente é artista – na acepção da palavra. Pois, o que vale neste mundo não é o valor artístico, mas quanto há de retorno financeiro. E em países como o Brasil onde pouco caso se faz pela saúde e educação, como pensar que haja espaço para a arte?
Mas artistas – de verdade – há neste país e estou aqui a falar sobre dois deles.
Cidade de Sangue é uma novela gráfica com estilo: Shimamoto – ou Shima – a desenhou com ferro de solda (!) sobre papel térmico! E a respeito desse detalhe gostaria de tecer mais um comentário: Shima é octagenário e como outros mestres dessa estirpe – Martinho da Vila, incluso -, o cara não sossega! E como é inspirador.
A dupla Márcio Júnior e Julio Shimamoto não está de casamento marcado, mas já andaram se entendendo sob os lençóis, pelo menos desde os tempos da animação O Ogro, dirigido por Márcio e por Márcia Deretti em 2011. (Para maiores detalhes ler http://omartelo.com/omartelo22/materia7.html)
Márcio é um mestre, não de artes marciais – pelo que eu saiba – mas em Comunicação pela UNB (apesar de ser goiano), um autor talentosíssimo por quem nutro uma paixão recolhida. Mas antes que me acusem de baba-ovo, adianto que tenho o mesmo sentimento por Shima, que conheci, bem menino, ao comprar aquelas revistas de terror inclassificáveis que tinha que esconder de minha mãe. Era peito e sangue demais para um menino imberbe que não conhecia as alegrias e as dores do amor. E Shima me iniciou nas artes…
Cidade de Sangue é uma novela crua, que não divaga, que denuncia aos leitores as tolas esperanças de um emprego garantido e de um casamento de aparências. Tabaco, cerveja, esperma e sangue… Tão triviais como a cena típica de almoçar em um restaurante popular e ver os clientes mais sedentos pelo sangue que jorra da TV do que pelo prato de comida. E como riem os chacais… “Melhor ele do que eu. Se fudeu!”, ouvi inúmeras vezes.
É disso que trata Cidade com seu argumento de jornalismo policial, cheirando a redações. As imagens que tomam conta das páginas, esparramadas, espalhadas entre elas, necrosadas antes da coagulação. Shima com sua espada samurai, a sua borduna, o seu ferro de solda que esporra branco, preto e vermelho, ilustra o tom cruento da prosa de Márcio, que reescreve o mundo como é… pequeno. E que, como artista, almeja transformá-lo em algo digno, mesmo como rosas extraídas de uma bela cagada. Mesmo que reparta conosco a sensação de que há esperança, para em seguida, Márcio e Shima retalharem-na em fatias. Vermelhas, brancas e pretas…
Como ocorre em toda grande cidade…
Para adquirir Cidade de Sangue e trocar ideias com o autor: marciomechanics@hotmail.com