EUGÊNIO COLONNESE & SERGUEI, O DESENHISTA E O ROQUEIRO, TÃO DIFERENTES E TÃO IGUAIS.

Matérias Resenha

Desde priscas eras, o cartunista Márcio Baraldi tem sido um militante pela preservação da memória dos quadrinhos brasileiros. Começou entrevistando figuras exponenciais – uma lição que toda jornalista conhece: entreviste enquanto é tempo – no Bigorna.net para em seguida prensar as entrevistas em DVD. Alguns ainda questionam a validade da mídia física, livros, CDs e DVDs como se esses formatos não pudessem conviver em paz com as “nuvens”. Renegam o investimento feito em cada um desses lançamentos, seja criando, gravando, editando, prensando e distribuindo. Mas, Marcio, ainda bem, não está nem aí e segue em frente. E isso tudo sem contar como – ainda – é árduo estimular o público a adquirir produções nacionais.

Edy Star, Calanca da Baratos Afins, Marcio Baraldi e Serguei em Sampa (Foto: Bolívia e Cátia Rock)

O tema desta matéria versa sobre dois recentes DVDs da lavra Baraldina: “Na Cama com Serguei” (com sincronística participação do amigo e escritor carioca Paulo-Roberto Andel), o roqueiro-mor-carioca e “Sobrou Alguma Coisa no Tinteiro? – Vida e Obra de Eugênio Colonnese”. Aparentemente são duas figuras distintas. O primeiro, “roqueiro” e o segundo, desenhista. Mas ambos têm muito em comum.

E esta não é apenas uma resenha sobre dois DVDs, mas um texto sobre a vida.

Eu via Serguei em algumas e esporádicas participações na TV e o conheci pessoalmente nos anos 1980 na Rádio Fluminense em Niterói, quando ele havia voltado à ativa em palcos como os do Circo-Voador no Rio. Mesmo que te contem, só quem viveu a virada dos anos 60 para 70 do século passado é que pode ter noção do que foi e como era aquele período. A juventude se dividia entre os que haviam caído na guerrilha contra a ditadura e os alienados, vamos dizer assim, um grupo bem heterogêneo que somava o público de telenovela a cabeludos que viviam em um mundo paralelo. E digo isso porque vi pessoas talentosas se perderem em drogas e falta de noção. Por isso, se o mundo não te afaga, trace você mesmo o seu caminho com sua régua e compasso. Serguei e Eugênio mandaram ver e concretizaram sonhos. Serguei quis ser do rock e largou tudo, desbundou e apertou o botão do foda-se. Colonnese trocou a Itália pelo Uruguai e Argentina para depois desembarcar no Brasil em 1964 e virar mito (esse sim, não o outro).

E nos anos 80, de ônibus – de Niterói para o Rio – Serguei me contou que residia em um apartamento em Copacabana com a mãe idosa. Entendi o que ele havia tentado me transmitir, ou creio ter sido isso, que roqueiro no Brasil é um ser mais ambíguo do que Bowie, glitter como Sidney Magal e que aqui, drogas-sexo e rock and roll é só na quebrada do morro.

Marcio Baraldi e Serguei em São Paulo na Baratos Afins (foto: Leandro Almeida)

Em contrapartida, Colonnese era uma figura inacessível, um ídolo distante, um desenho de banca, até que pelas viradas que a vida dá, o neto dele se hospedou em minha casa há alguns anos e pude relatar ao jovem o quanto o avô dele havia me inspirado.

Não sei quantas histórias desenhadas pelo Colonnese li na vida, mas tenho uma memória afetiva muito forte, os traços limpos, claros, como nunca havia visto no país. E o que nos ligou, ainda mais fortemente, foi a história brasileira em 1972, no sesquicentenário da “Independência”. O governo militar havia lançado um filme sobre Dom Pedro I (filme que gosto até hoje), e os corpos de nossos imperadores retornavam ao Brasil. E somado a tudo isso, tive a oportunidade de comprar as obras de arte da editora EBAL, as quadrinizações de clássicos da literatura e de nossa história – oficial. E como esquecer o Dom Pedro primeiro desenhado pelo Colonnese?

Agora vamos às diferenças.

Serguei não se sente bem sendo brasileiro e o desenhista Colonnese não era brasileiro, mas adotou o Brasil como sua casa. Em uma visita à casa de Serguei em Saquarema, interior do Rio, em 2007, testemunhei que o vocalista deixava o canal Fox News ligado em alto som, o tempo inteiro. Perguntei o por que e ele respondeu: “Só gosto de ouvir inglês!”

Essa – grande – introdução se faz necessária, porque como músico e desenhista sinto-me conectado aos dois personagens de alguma forma. São referências próximas, de altos e baixos, humanos seres divinos, que como todos os artistas da vida, seja músico, ilustrador ou camelô, enfrentam a luta diária pela sobrevivência do corpo, alma e espírito.

Serguei é entrevistado na cama em sua casa-templo do rock por Rodrigo Barros, Janaína Storfe e Paulo-Roberto Andel entre imagens de santos, roqueiros e VHS. Depoimentos sobre Rock and Roll, o passado e a cena gay de Copacabana, entremeados pela bandeira do Fluminense e a cadela Elis. E além da entrevista, o DVD ainda traz um pôster; o bonito e cinematográfico curta “Serguei Íntimo” da cineasta carioca Luciana Cavalcanti; a biografia; discografia e uma galeria de fotos mais o show completo do Rock in Rio em 1991 no Maracanã em que o vocalista pôs toda a galera para sentar e ouvi-lo cantar Summertime.

No DVD sobre Colonnese, Marcio Baraldi entrevista familiares do artista, e pessoas que trabalharam com ele, sempre se dirigindo à câmera como um fã e não como um doutor, um acadêmico. É como uma conversa de bar em que paixões e comentários sobre os nossos artistas favoritos são ditos sem a rispidez e a agudeza das espadas. Não há edições profissionais feitas com verba, mas há empenho, necessidade premente de ter um registro, de mostrar aos garotos que idolatram a Marvel e a DC que tivemos a D-Arte, a Opera Graphica, e a Bloch, entre tantas editoras que investiram pesado em histórias nacionais. Por isso, “Tinteiro” é uma ode à paixão, um elogio amoroso à prancheta, ao nanquim, ao papel, e principalmente a produzir com talento e eficiência. Esta é a lição que o mestre Colonnese nos deixa. Amou, foi amado e distribuiu o amor através de milhares, milhões de páginas que queiram os bons espíritos, povoem a imaginação de outros tantos milhões.

A mensagem deixada tanto pelo desenhista como pelo roqueiro é simples e muitas vezes mal entendida: ame. Apenas isso.

Contatos: marciobaraldi@gmail.com

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