“Som, Sol & Surf– Saquarema” de Hélio Pitanga e “Meu Tio e o Joelho de Porco” de Rafael Terpins (ambos lançados em 2018)
Por Fausto Mucin.
SAQUAREMA 1976
Acompanhei tudo sobre o famoso festival de Saquarema, cidade praiana no interior do Rio de Janeiro, pela resistente publicação “Rock, a História e a Glória” em 1976. Eu tinha 15 anos na época, e nem um centavo pra ir a lugar nenhum. O nosso movimento setentista tinha uma rainha (Rita Lee) e, que eu saiba, dois músicos deficientes físicos: o baterista Rolando Castello Júnior (do Made nos anos 1970) da Patrulha do Espaço e o vocalista do Bixo da Seda, Fughetti Luz, todos do primeiro escalão. Simbólico e maravilhoso. Através da revista impressa, soube do caos ocorrido nesse grande encontro de feras e imaginava os motivos, mas no documentário “Som, Sol & Surf– Saquarema”o jornalista-produtor Nelson Motta – e outros envolvidos – falam com total clareza sobre os bastidores do festival. Pena que quase tudo no Brasil peque por falta de planejamento e estrutura, mas, como o próprio filme explicita, temos arte, música e resistência, principalmente naquela época onde todos parecíamos um só corpo, sem divisões.
No documentário surgem o Made in Brazil em forma, talvez em sua melhor forma; Raul Seixas brilhando como sempre, – se ele só arrotasse já brilharia por si -; Bixo da Seda hipnotizante – há algo mágico ali que repercute até hoje -; Ângela Rorô e Rita Lee e Tutti Frutti – talvez em sua melhor forma também… Aliás, entendo os percalços da produção e a pressão da ditadura, mas fiquei assustado com a ingenuidade da produção em contar com alguns participantes inexperientes, filmar em 16 milímetros, e gravar em fitas de 30 minutos… Se rolassem mesmo, o disco ao vivo e o filme nos anos 1970 teria sido praticamente um milagre. Muito bom ter feito esta viagem ao tempo e constatar tudo isso.
Nota negativa para o “Bobão” (para bom entendedor, uma letra trocada basta) que mesmo presente ao festival, disse que não viu show algum, – e que nem sabia o motivo de estar lá. Se o rock errou, foi principalmente por tê-lo como depoente…
“A coisa mais anti-rock’n’roll que existe é uma ditadura militar.”
A reflexão acima é de Nelson Motta. Sempre gostei dele apesar de ser muito global, mas assumo que ele foi influente em minha formação, essencial mesmo, mas acho, apenas acho que desta vez, em 2019, ele pode estar enganado. E por quê? Artística e musicalmente, o negócio piorou muito de Saquarema pra cá. Se hoje temos planejamento e estrutura melhores, uma parte significativa dos músicos do estilo ainda não entendeu nada sobre o que é ser um músico de rock, e o que é a ditadura…
Ou será que fui eu que envelheci com meus sonhos?
Vontade de agradecer pessoalmente a quem filmou o festival – Gilberto Loureiro falecido em 2013 -, ao restaurador Chico Moreira – falecido em 2016 – e ao diretor Hélio Pitanga.
JOELHO DE PORCO
O documentário, como o título adianta, foi dirigido pelo sobrinho de Tico Terpins, baixista e fundador da banda Joelho de Porco. Fala-se sobre o Joelho, mas principalmente sobre o tio. Mesmo como filme-familiar, muito me interessou o que fez de Tico Terpins ser um artista. Judeu, rico, e um verdadeiro espírito de porco literal (he, he). O baixista escondia sardinha no carro dos outros para feder, colocava revistas pornôs nas bolsas das socialites (que seja) e zoava o público e os apresentadores de TV. Mas assumo que tudo isso me soou um pouco como cuspir pra cima, estourar as pontes, e fechar as portas por onde se passa… Na fase da primeira mulher, Tico conseguiu se consolidar, e a banda cresceu, frutificou, mas já na segunda esposa, me pareceu que perdeu-se o motivo de viver… Algumas mulheres fazem de você uma outra pessoa – ou deixa-se fazer… E quando não se é mais você, quando se perde a essência, pode ser o fim da linha. Não sei se foi isso o que ocorreu, mas assim me pareceu.
O vocalista Próspero Albanese, com quem hoje tenho um relacionamento saudável, foi quem saiu da banda. Nunca imaginei que fosse isso, uma pena… No retorno ao Joelho, como Albanese mesmo disse, já era outra coisa… E sobre o vocalista ítalo-portenho Billy Bond é melhor não dizer nada… Uma pena que ele não tenha contribuído com depoimentos e nem cedido direitos de imagem. Soa-me ressentimento, e isso é condenável, mas pelo depoimento de um produtor – ou empresário – do Joelho, foi Bond quem pagou pra entrar na banda!
Este é um documentário que todos que amam o rock brasileiro devem assistir. Muitos depoimentos interessantes, imagens inéditas e filmagens antigas.
“Rafa, sabe esta pilha alcalina? Os Terpins são daquelas amarelinhas bem vagabundas.”